No ônibus lotado, de volta pra casa do trabalho, uma sinistra alma filosofa entre um olhar e outro pra fora da janela. Observa prédios, carros, zoológico, sinaleiros que vão passando devagar com o movimento. Vozes alteradas pelo corredor do ônibus às vezes a desperta que olha com um olhar perdido. Parece aquele amontoado de gente dependurada como nos paus-de-arara do nordeste. Aquela alma divagante matuta, não devia. Pensa coisas com o olhar sumido e sonâmbulo. Coisas sacras, inconfessáveis e anormais. De repente olha desconfiada e abaixa o olhar com medo que leiam seus pensamentos. Muda o rumo. O estômago avisa: "tá na hora!" Será que horas são? No fundo não sabe se quer voltar mas é levada como uma lei da física que não sabe qual é porque não é boa na matéria . Sabe que existe esta lei. Mas filosofar é com ela mesmo. Neste momento filosofa. Palavra chique para matutar, coisa de camponês acostumado a reparar o acontecer simples e importante da vida. Pensa e nessa hora leva uma cotovelada na cabeça. Tá sentada, coisa rara , pois, sempre em horário de pico é praticamente impossível. Tem que ser esperto e experiente pra conseguir este mimo. Em casa vai dar uma aula dessa técnica e quem sabe escrever um livro. Pelo menos vai virar um campeão de venda!Volta ao que tava pensando: " o mundo anda muito pesado! Tem muitos carros, prédios. Será que ele não pode sair da órbita ? Uma voz responde debochando " larga de ser boba, a matéria prima disso tudo é daqui mesmo." Ah é! Pensou de novo: e se o peso ficar mais num lugar que no outro? E as matérias primas dos seres vivos como plantas e animais que cada dia aumentam mais? A voz um tanto melancólica responde como se fosse verdade absoluta: " O equilíbrio quem traz é a morte." Mas, e os restos mortais? Não dizem que nada se perde mas tudo se transforma? Então, ficam estes restos aqui mesmo, apenas se transformam e a Terra está mesmo cada vez mais pesada.
E a outra voz se cala pensando em uma maneira de se sair dessa e se depara com mais perguntas infantis. E se uma poeirinha cair do espaço? Pânico, pânico...análise. Que bobagem!
Não é porque sua vida está fora de órbita, que vai birutar sua voz da consciência,que é tão lúcida. Que filosofar medíocre! Surtou?
Olha pela janela e uma carroça com um escravo cavalo está parada no sinal. Um homem com um chicote. A alma divagante começa de novo e ...Perigo:O olhar humilde do cavalo desperta nela o início das perguntas sem rótulo. Deveria se acalmar mas este acalmar é artifício para o insatisfeito desequilíbrio que só muda de lugar.
De repente, a pensadora alma perigosa, se depara com a real noção das coisas palpáveis. Uma senhora sem lugar pra se dependurar no ônibus, que tava lotado, desequilibra e cai em seu colo.
E num gesto solidário oferece "Sente-se aqui , minha Senhora, vamos trocar de lugar!"
