Ela, há uns vinte e três anos atrás, teve uma espécie de visão que não era visão mas um aviso meio que intuitivo de que estaria na metade de sua vida. Agora só faltavam três anos. Naquela época não se importou. Era jovem e faltava muito tempo.
O tempo foi passando, chegou perto do fim da outra metade. E aí? Começaram aparecer a defasagem do tempo entre um nódulo suspeito. Tinha esquecido das previsões. O nódulo a fez lembrar.
Nessa hora, ou minuto, dia, mês e ano começaram aparecer nuvens escuras anunciando tempestade. Junto com a tempestade ,uma retrospectiva de vida surgiu em pingos e gotas de saudade, arrependimentos, planos, frustrações, alegrias, maturidade e tudo que se viveu ou seria vivido. Que coisa, né?
Nesse dia, amou as pessoas com mais intensidade, esqueceu dos presságios. Olhou para suas filhas com mais atenção. Tentou falar com sua velha amiga. Deixou recado. Nada. Descobriu novos amigos. Um em especial. Não queria fazer dramas nem deixar os outros assustados.
Ela um dia passou por este drama quando perdeu a mãe tão jovem. Mãe e filha, jovens demais. Mas é verdade quando dizem que o tempo cura tudo. Cura. Mas deixa cicatrizes como tatuagens difíceis de encobrir.
Ela pensou: "Os cientistas classificaram os seres vivos em os que nascem, crescem, reproduzem, envelhecem e morrem." Então, faz parte. Mas esqueceram de acrescentar antes de "morrem" a palavra "adoecem". E em muitos desses seres a palavra adoecem não obedece a uma ordem. Pode ser depois que nasce a qualquer momento e morrem antes de envelhecer, nascer, crescer, reproduzir e aborta tudo.
Então, faz parte. Só ignore a ordem. E não tente pensar que o fim não existe. Ele pode estar no começo ou no meio e aborta ou neutraliza o que tiver na sua frente.
