O lugar.
Olhar.
Sorriso de Mona Lisa, lagarto.
Simples.
De repente, não a enfrente:
"Não grita comigo não. Tá pra nascer quem grita comigo sem revide.Não levo desaforo pra casa, viu?
O tráfico dá dinheiro, tá vendo? Vou pagar a mensalidade do colégio.
Lá em casa minha mãe me bate é com o cabo da vassoura por isto fui morar com o J..
Onde moro agora? Durante a semana na casa da irmã do J., cuido dos sobrinhos dele.
O J. tem um filho também, meu enteado. E no final de semana vou pra casa da minha mãe, a senhora sabe onde.
Não adianta me pedir pra fazer aquela pesquisa sobre drogas e violência, eu não tenho como pesquisar na lan. Além do mais eu já sei de cor e salteado.
Quer que eu traga maconha pra senhora ver? O J. tem essa tal de ética que a senhora ensina, ele não me deixa experimentar crack, diz que é da pesada.
Sabe, professora, amanhã é meu último dia aqui nesta escola, é que tenho que prestar serviços comunitários lá na minha cidade.
O que eu fiz? Vendi maconha. Agora ou eu vou ou serei internada.Mas droga dá dinheiro.
O J. tem dinheiro por isto fico com ele.
Drogas e violência vivem juntas. Não sei mas um dia o J. apagou um cigarro na minha barriga. Por quê? Tava noiado e cismou que minha roupa tava indecente. Já disse que ele é traficante? Mas nem cisme em denunciar. Já sabe: a senhora pode dormir e não acordar. É assim que agem.
Hoje tem almoço na escola e apresentação teatral.
É meu último dia. Parece que a festa é pra mim, mas sei que é encerramento do projeto alimentação.
Coincidência, não?
Quer escrever seu nome na minha blusa? Não? Veja quanto nome. Muitos amigos. Nem vou lavar a blusa.
Sei que dizem que gostam de mim mas estão é doidos pra eu sair. Aliviados. Sou um problema sem solução e uma péssima influência para meus amigos.
Até sei que uma mãe pediu pra me expulsarem daqui da escola porque a filha, muito encantada comigo, andava com um vocabulário meio mala e com ideias estranhas. Mas até a professora arregala os olhos quando falo um palavrão. Também ás vezes grito mais alto que ela.
Tento disfarçar meus hábitos adultos, afinal a escola é de crianças menores que eu.
Fiz quinze anos estes dias. Não contei pra ninguém, se não, quebrariam ovos na minha cabeça. O J. me pagou uma chapinha.
Mas a senhora sabe? Gosto de brincar com meus amigos. Chutar latinhas no golzinho.
Amo futebol. Amo circo, apresentar e assistir peças de teatro e quando posso assovio, aplaudo dando a maior força pros artistinhas.
A senhora gosta dos meus piercings? Um na língua. É rosa choque. Outro no umbigo. Prestou atenção no meu cabelo? Ontem recebi uma grana e pintei meu cabelo. Gostou do preto?
A senhora disse que não posso ficar falando da minha vida tão abertamente, pois, pode chocar os meninos. Disse que eu sou muito vivida pra idade e que os influencia, mas pensa que eles não sabem de nada? A TV é menos discreta do que eu. Sem falar o que tem na rua.
Na rua e na minha vida dá pra fazer um filme daqueles de favelas como a Cidade de Deus. Mas também tenho ética(adoro esta palavra) e se venderem droga para uma filha minha, mato.
Teve gente que disse que não há solução pra mim. Também acho que não.
Um dia deste pintaram o muro de uma vizinha minha. Eu elogiei até. Ficou bonito. De repente veio o marido dela e me xingou tudinho, disse que eu era drogada, etc e tal e que se eu pichasse... A senhora pode imaginar o que eu fiz como vingança? Eu nem tava pensando nisso, mas...
Quer ver a foto de minha mãe? Ela não é linda? Tem trinta anos. Por falar nisso acho que tô grávida. Ainda não desceu.
Eu disse pra senhora um dia que queria ser mãe aos dezessete anos mas vai com quinze mesmo. Este mês disse pro J. que não ia tomar remédio e ele ficou todo animado.
Lembra que a senhora me disse que eu tinha que estudar primeiro, melhorar de vida, ter uma profissão, blá blá blá? Eu disse que não queria ser mãe velha? Pois é...
A senhora disse que filho atrapalha a vida da gente, não deixa a gente aproveitar a vida? Eu disse que minha mãe olhava a criança, que ela olha o filho de minha irmã e que
minha irmã sai, se diverte. Só não estuda.
Pensei que comigo fosse igual mas minha mãe mandou eu tirar e que já tem um pra criar. Tô pensando...
Eu rio assim mesmo. Meio triste, meio contente. Xingo rindo. Mas sabe a profissão que eu queria ter? Médica legista.
Minha amiga me diz que sou louca. Mas não tenho medo nem receio de cortar um cadáver. Quando tem acidente faço questão de olhar e ás vezes até ajudo. Mas a senhora disse que tem que estudar...
Tchau professora. Será que vender droga só dá duas coisas mesmo? Caixão e prisão?
Sou meio que morta viva mesmo. Lá em casa é pior que prisão. A comida aqui da escola tava boa!"
Olhar.
Sorriso de Mona Lisa, lagarto.
Simples.
De repente, não a enfrente:
"Não grita comigo não. Tá pra nascer quem grita comigo sem revide.Não levo desaforo pra casa, viu?
O tráfico dá dinheiro, tá vendo? Vou pagar a mensalidade do colégio.
Lá em casa minha mãe me bate é com o cabo da vassoura por isto fui morar com o J..
Onde moro agora? Durante a semana na casa da irmã do J., cuido dos sobrinhos dele.
O J. tem um filho também, meu enteado. E no final de semana vou pra casa da minha mãe, a senhora sabe onde.
Não adianta me pedir pra fazer aquela pesquisa sobre drogas e violência, eu não tenho como pesquisar na lan. Além do mais eu já sei de cor e salteado.
Quer que eu traga maconha pra senhora ver? O J. tem essa tal de ética que a senhora ensina, ele não me deixa experimentar crack, diz que é da pesada.
Sabe, professora, amanhã é meu último dia aqui nesta escola, é que tenho que prestar serviços comunitários lá na minha cidade.
O que eu fiz? Vendi maconha. Agora ou eu vou ou serei internada.Mas droga dá dinheiro.
O J. tem dinheiro por isto fico com ele.
Drogas e violência vivem juntas. Não sei mas um dia o J. apagou um cigarro na minha barriga. Por quê? Tava noiado e cismou que minha roupa tava indecente. Já disse que ele é traficante? Mas nem cisme em denunciar. Já sabe: a senhora pode dormir e não acordar. É assim que agem.
Hoje tem almoço na escola e apresentação teatral.
É meu último dia. Parece que a festa é pra mim, mas sei que é encerramento do projeto alimentação.
Coincidência, não?
Quer escrever seu nome na minha blusa? Não? Veja quanto nome. Muitos amigos. Nem vou lavar a blusa.
Sei que dizem que gostam de mim mas estão é doidos pra eu sair. Aliviados. Sou um problema sem solução e uma péssima influência para meus amigos.
Até sei que uma mãe pediu pra me expulsarem daqui da escola porque a filha, muito encantada comigo, andava com um vocabulário meio mala e com ideias estranhas. Mas até a professora arregala os olhos quando falo um palavrão. Também ás vezes grito mais alto que ela.
Tento disfarçar meus hábitos adultos, afinal a escola é de crianças menores que eu.
Fiz quinze anos estes dias. Não contei pra ninguém, se não, quebrariam ovos na minha cabeça. O J. me pagou uma chapinha.
Mas a senhora sabe? Gosto de brincar com meus amigos. Chutar latinhas no golzinho.
Amo futebol. Amo circo, apresentar e assistir peças de teatro e quando posso assovio, aplaudo dando a maior força pros artistinhas.
A senhora gosta dos meus piercings? Um na língua. É rosa choque. Outro no umbigo. Prestou atenção no meu cabelo? Ontem recebi uma grana e pintei meu cabelo. Gostou do preto?
A senhora disse que não posso ficar falando da minha vida tão abertamente, pois, pode chocar os meninos. Disse que eu sou muito vivida pra idade e que os influencia, mas pensa que eles não sabem de nada? A TV é menos discreta do que eu. Sem falar o que tem na rua.
Na rua e na minha vida dá pra fazer um filme daqueles de favelas como a Cidade de Deus. Mas também tenho ética(adoro esta palavra) e se venderem droga para uma filha minha, mato.
Teve gente que disse que não há solução pra mim. Também acho que não.
Um dia deste pintaram o muro de uma vizinha minha. Eu elogiei até. Ficou bonito. De repente veio o marido dela e me xingou tudinho, disse que eu era drogada, etc e tal e que se eu pichasse... A senhora pode imaginar o que eu fiz como vingança? Eu nem tava pensando nisso, mas...
Quer ver a foto de minha mãe? Ela não é linda? Tem trinta anos. Por falar nisso acho que tô grávida. Ainda não desceu.
Eu disse pra senhora um dia que queria ser mãe aos dezessete anos mas vai com quinze mesmo. Este mês disse pro J. que não ia tomar remédio e ele ficou todo animado.
Lembra que a senhora me disse que eu tinha que estudar primeiro, melhorar de vida, ter uma profissão, blá blá blá? Eu disse que não queria ser mãe velha? Pois é...
A senhora disse que filho atrapalha a vida da gente, não deixa a gente aproveitar a vida? Eu disse que minha mãe olhava a criança, que ela olha o filho de minha irmã e que
minha irmã sai, se diverte. Só não estuda.
Pensei que comigo fosse igual mas minha mãe mandou eu tirar e que já tem um pra criar. Tô pensando...
Eu rio assim mesmo. Meio triste, meio contente. Xingo rindo. Mas sabe a profissão que eu queria ter? Médica legista.
Minha amiga me diz que sou louca. Mas não tenho medo nem receio de cortar um cadáver. Quando tem acidente faço questão de olhar e ás vezes até ajudo. Mas a senhora disse que tem que estudar...
Tchau professora. Será que vender droga só dá duas coisas mesmo? Caixão e prisão?
Sou meio que morta viva mesmo. Lá em casa é pior que prisão. A comida aqui da escola tava boa!"
