Hoje Helena recitou um verso simples de decorar. Um verso curto como a paciência das pessoas que não gostam de ler.
Ela assim o fez numa voz sonolenta:
Ruídos no silêncio
da noite
tiro ou balões?
Helena sabia que versos tem sonoridade mas estava com sono, não conseguia dormir por conta dos ruídos do funk do vizinho e da gritaria:
"Tô ficando atoladinha
Tô ficando atoladinha
Tô..."
Lembrou-se de Tom Zé quando ouviu estes ruídos desinteressantes. E ele viu arte nessa música. Se referia a um desdobramento atual da Bossa Nova. Será que Helena entendeu direito a entrevista no Jô? Entendeu a mensagem? Tava com sono? Ruídos na comunicação roía também a sonoridade dos estouros. Balões ou tiros?
Helena se irritava fácil. Ainda mais nos sábados de faxina e aqueles versos, os da atoladinha, têm som de faxina e sábados mal dormidos:
"Tô ficando atoladinha/ruídos no silêncio"
Nem mesmo a luz da tela do computador, tão atraente, trazia a luz do acordar. Ela queria dormir e o funk da preguiça a fazia acordar. E a Bossa Nova calma cheirava a pão amanhecido, já que o tempo de Helena era curto.
Helena possuía nos olhos rugas. Não só em volta mas dentro também. Sua visão do mundo após ter retraído, dilatou e depois enrugou. Já não via com clareza beleza e cor. Preferia versos curtos, fáceis. E, como sua visão não desenrugava...Nem plástica resolveria. O verso foi ficando curto, curto...
Ruídos
tiro
estouro
De repente Helena queria cortar também palavras:
Ruí
ti
estou
Depois cortar sílabas
Ru
es
Por fim letras
R
e
Helena não conseguia abrir mais os olhos.
E de tudo que não via sobrou um vazio no silêncio.
O tilintar dos ferros no ataúde fez um hiato.
Helena não via.
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