Quero dormir hoje no meu quarto. Vou dormir pela primeira vez.
_ Minha filha, o que é isso? Já é tarde, deixe de brincadeira, seu pai vai chegar!
A menina arrumava, admirava o seu quarto imaginário. Tinha visto na televisão da vizinha que a mocinha tinha seu próprio quarto, todo arrumadinho, com cortina na janela, papel de parede delicado, cama rosa e um armário cheio de bonecas. A coleguinha dela também tinha um quarto, embora o dividisse com as irmãs, assemelhava-se ao da mocinha da TV. E o seu? Que semelhança tinha, se dormia no quarto dos pais em uma cama dividida com o irmão e sempre dava confusão?
_ Eu quero dormir na cabeceira!
_ Ontem você dormiu, hoje sou eu!
_ Mentira! Oh, mãee!!!
E a mãe calmamente, contornando e constrangida dizia:
_ Até seu pai chegar, você dorme com a mamãe, viu? Seu irmão tem razão. Não briguem, se não, o anjinho vai embora.
A menina assim, sossegava, calma na cama da mãe.
O quarto era pequeno, mal cabia a cama de casal, velha e escanhotada. O quarda-roupas sem portas e as poucas roupas ficavam expostas à poeira. Havia, além do guarda-roupa, uma penteadeira e sobre ela um frasco de Leite de Rosas, pó-de-arroz e um vidro de esmalte de cor Pink quase vazio, pois fora derramado numa arte da menina, que manchara o único lençol de casal da mãe. Lençol feito de saco de farinha alvejado e emendado um aos outros. Cheirava à naftalina, tal e qual as demais roupas de cama. Quando eles iam dormir na casa da vovó é que percebiam a diferença de odor.
A mãe insistia:
_ Filha, vem dormir, são quase onze horas e seu pai vai chegar. Você o conhece!
_ Não, hoje durmo no "meu quarto"!
A mãe insistia, pois sabia, que o pai chegava sempre bruto e haveria barulho pela teimosia, mas a menina ajeitava, olhava, admirava o seu quartinho.
A casa era inacabada, era do tio da menina, irmão de sua mãe. Ele havia cedido a casa com a intenção de ajudar. Estava a casa sem vidros na janela, não estava pintada e o chão era de cimento grosso. Tinha quatro cômodos, que se dividiam em uma sala, cozinha, quarto e um banheiro sem uso, não estava terminado.
A menina fez seu quartinho ali, naquele banheiro inacabado. Colocou uma cama de campanha, fez uma prateleirinha de tábuas suportadas por dois tijolos e sobre ela, latinhas de extrato de tomate com margaridas colhidas do quintal da vizinha, dona da TV. Enfeitou com suas bonecas de milho a prateleira. Fez uma porta de tábuas encontradas no quintal e se "trancou".
Tinha tanta muriçoca, embora tivesse limpinho,mas ali
era seu mundinho, só seu. Agora dormiria na cabeceira, já era uma mocinha! Sua mãe deu por vencida.
De repente: Um estrondo!!! A menina acordou com um estouro e as tábuas caíram no chão com o chute do pai, nervoso pela teimosia da menina.
Desmanchou seu quartinho e tudo caiu. Brincadeira de criança que construiu uma realidade longe de ser alcançada. Foi o primeiro castelo destruído.
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