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Atraso

Tava pensando no atraso. Ele faz bem porque pode  evitar um acaso sem culpa. Pode celebrar a vida no paraíso ou evitar a causa do falecido....

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dignidade


Sábias são as necessidades.
Quando falta alguma coisa e priva-se dela adquire uma sapiência pesada emergindo uma força não calculada.
Em um hospital público, por exemplo, deixa-se as últimas consequências do necessitar e nessa hora é visto o descaso com a dignidade contra parte da humanidade. As vítimas deste descaso, por força da sobrevivência, se descartam da parte humana e parte pra luta contra a aspereza com que são tratadas.
Recentemente foi observado um destes casos vistos todos os dias, que por força do hábito, torna-se "normal". E o que é interessante é que o problema é velho e parece novo.
Numa grande maternidade, onde recebe emergências e urgências, há casos de grávidas ficarem oito horas a espera de atendimento por conta da burocracia de uns tais adesivos coloridos indicativos de prioridades. Estas grávidas estão ali com os pés inchados, com os estômagos vazios, muitas vindas do interior sem dinheiro pra lanche e inseguras porque já estão no nono mês. E nenhuma explicação, nenhum olhar humano.
Além do desconforto físico, o desconforto mental dá lugar à fadiga de se sentir mendiga de um direito. E certos profissionais tomando cafezinho( não que não mereçam). É de doer o coração ver aquelas mulheres "fortes", com suas pastinhas do pré-natal debaixo do braço esperando o descaso as chamarem, depois que todos os despejados das ambulâncias chegarem ao fim. E o fim nunca chega.
Nessa hora começa uma revolução na maternidade. Uma das vítimas se revolta e quer falar com o Diretor do hospital. Ela faz a cabeça das outras. Saem em comitiva em direção à recepção. A recepcionista comovida com o relato das vítimas liga para a sala da diretoria. O Diretor não vem. Quem vem é a secretária, só que as vítimas pensam que ela é a Diretora. Reclamam. Cada uma conta sua história, a hora que chegou, etc e tal. A "cabeça" da revolução se exalta pensando que a suposta Diretora a mandara calar a boca. Os outros pacientes, que aguardavam se aproximam. A desordem predomina.A secretária que parecia ser Diretora tenta falar. Falam todas ao mesmo tempo. Ninguém se entende. Uma diz que vai chamar a imprensa marrom, outra diz que vai chamar a imprensa normal. O caos comunicativo se instala. Os seguranças ficam de olho. Chegam ambulâncias despejando mais gente no corredor "vip" do hospital em macas e cadeiras de rodas. No meio disso tudo a líder do grupo, comendo uma torta de frango, pois não tinha tempo a perder, falava com a boca cheia. Tava sem comer desde o café da manhã. Já sabe que grávida treme quando passa da hora de comer.
Finalmente a suposta Diretora consegue falar. Diz que todas seriam atendidas, que era para terem paciência, que os médicos estavam atendendo as emergências. Mas, alí não era a emergência? Ah, as emergências urgentes! A secretária explicou que o atendimento agora não seria mais por ordem de chegada mas por ordem de gravidade. Para isto, o paciente receberia adesivos em forma de selos redondos, do tamanho de uma rodela de batatinha "da onda". Estes selos deveriam ser fixados na roupa, na altura do peito ou nas pastinhas de documentos do pré-natal. Seria atendida por ordem de cor.Assim, o selo vermelho e o amarelo-gravíssimo e grave respectivamente;o selo verde e o azul média e pouca gravidade respectivamente. Percebe o descaso?
Muitas das vítimas desanimadas desistiram. Foram esperar ficarem "gravíssimo" em casa.Outras, querendo valer seus direitos, permaneceram lá sabe lá até que hora. Outras mais, usando de esperteza, começaram dar chilique, revirando os olhos, se fingindo de fracas para uma possível "promoção" para o selo vermelho.
Pura sapiência de pobre, a da sobrevivência!

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